Candidatura à Capital Europeia da Cultura

FUNCHAL 2027

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Além
do mapa,
uma cidade
de encontros.

No precipício era o Funchal.
No precipício do Novo Mundo, essa abismal gesta dos Descobrimentos, foi o Funchal farol da primeira globalização, a medida de todas as coisas por fazer. Primeira cidade fundada por europeus fora do continente europeu, o Funchal cedo conquistou um estatuto incomparável no Atlântico. No breu do desconhecido, enquanto adamastores vociferavam contra a ousadia de um povo, o Funchal era archote. 

O mundo começou a ser casa comum no Funchal e não é alucinação vislumbrar naquele horizonte quinhentista o embrião do capitalismo internacional. Foi com o apogeu da cultura sacarina, logo no século XV, que o Funchal, ainda antes da elevação a cidade, ascende a entreposto comercial incontornável, um lugar em trânsito contínuo de gentes, muitos bens e poucos males. Do mundo para a ilha e da ilha para o mundo, o Funchal tornou-se urbe de capital importância para o convívio pacífico entre povos, mas também ponte para as pendências entre a espécie e Deus. A diocese do Funchal foi a maior do planeta, já que as terras de Vera Cruz, atual Brasil, estavam sob a sua jurisdição eclesiástica.

A aspiração universal do Funchal também se mede pelos pontos cardeais da cruz que encima a nossa Sé, precursora das catedrais fora do continente europeu: casa de partida dos homens e de Deus. Para todo o lado. E o trajeto começa na Rua de Santa Maria, provavelmente o caminho inaugural de uma espécie que começou a reconhecer-se por inteiro. A Humanidade “unida na diversidade”, hoje lema da União Europeia. Felizmente que os povoadores conceberam essa primeira rua com rotas de fuga. Imagine-se o que seria do planeta – e da Humanidade – se a primeira rua do Novo Mundo não tivesse saída. Aconteceu com um homem que se levantou cedo para dar a volta à Terra. Enganou-se, deu por si num beco sem saída e voltou para a cama. Por tão pouco se falha uma epopeia. 

 

O que hoje é ultra-periférico já foi centro.
O Funchal tornou-se sede de um Mundo em revisão.
Então como agora, continuamos com sede de Mundo.


Funchal
A
lém do mapa, uma cidade de encontros. 

Programa
Cultura 2027

A instituição do título Capital Europeia da Cultura remonta a 1985. Desde então, dezenas de cidades foram contempladas com a distinção, todas elas situadas no continente europeu. O Funchal não é a primeira cidade ultraperiférica a concorrer ao título, mas é nossa convicção de que poderá ser a primeira a conquistá-lo. Trabalhamos para a concretização de um desígnio que não se esgota nos anseios do Funchal e dos Funchalenses, mas de toda a Região Autónoma da Madeira, de todos os Madeirenses e de todas as regiões ultraperiféricas da Europa. 

A candidatura do Funchal a Capital Europeia da Cultura 2027 assume-se como uma das mais ambiciosas aspirações socioculturais em seis séculos de presença humana na Pérola do Atlântico. O projeto em curso tem 2027 como apogeu, mas pretende-se uma (re)visão da perspetiva cultural da cidade com horizonte temporal muito mais alargado. A candidatura, só por si, é uma oportunidade para projetar o Património do Funchal, material e intangível, o momento ideal para acertar as coordenadas da cidade enquanto capital da Madeira, capital do Atlântico, extensão de Portugal e da Europa para além do mapa continental. Estamos empenhados na construção de um programa inclusivo e participativo, sob a égide de uma estratégia cultural sustentada e sustentável que realce as nossas especificidades enquanto Funchalenses, Madeirenses, Portugueses e Europeus.

Queremos um Funchal
intemporal que não descura as marcas do tempo.
Queremos um Funchal que se descobre e redescobre no Atlântico multicultural, esse afluente ancestral de uma Europa unida na diversidade. Juntos – na Madeira e na imensa jangada de pedra que é a  nossa diáspora -, a primeira Capital Europeia da Cultura fora do “velho continente” será uma realidade. 

Linhas Estratégicas

Rotas
das
Ultraperiferias

A ilha é, por natureza, descontinuidade, armistício ou paz podre,
quase sempre idílio mesmo quando exílio.
Casa de sereias que entoam cânticos fatais, de ciclopes impiedosos, de deusas como Circe, de povos hospitaleiros e pacíficos, de homens e mulheres reais, lugares onde a vida acontece extremada por abismos, a candidatura do Funchal assume o desígnio de escutar o oráculo das periferias: o que são as ilhas europeias e as suas cidades para a criação? De que forma a manifestação artística é influenciada pela mundividência insular? Há um traço distintivo na arte que brota das periferias? Como é que a vivência cultural da ilha influencia o que lhe é arredor e de que forma os arredores moldam a cosmos da ilha? Interessa-nos, portanto, atualizar os sismógrafos que medem a atividade criativa insular, ou com origem insular.
Na procura do alfa e do ómega, comecemos por Homero, claro. Há dúvidas em torno da identidade de Homero, o autor da “Ilíada”.
Um insular, no entanto, tem uma certeza absoluta sobre o poeta cego: não nasceu numa ilha.
Se fosse insular, teria escrito a “Ilhíada”.

Cidade
de
Encontros

Imagine-se a noite imemorial, imagine-se um mar muito cheio, imaginem-se homens e mulheres à deriva, tateando no escuro que é só balsa e água, homens e mulheres à procura de um sítio onde pousar a cabeça. São desalojados de Babel que remam e rezam para o mesmo lado, homens e mulheres que inventam a esperança em muitas línguas. De repente, ouve-se um som raro, um baque imemorial para quem zarpou no início dos tempos líquido. Continua muito escuro, mas todos sabem que chegaram à paz.

É preciso anunciar aos outros que aqui há lugar.
Alguém trepa ao cimo da mais alta árvore alguma vez sentida, só sentida porque ainda não se vê claro. O homem que chega à copa assusta-se. “Já estava cansado de esperar. Prazer, sou o Prometeu. Toma.” Aquele que se diz Prometeu tem pressa, parece ter compromissos inadiáveis como uma condenação. O homem crê segurar nas mãos a aurora. É só uma tocha, que será olímpica.
Entre a folhagem, vestígios de coisas que não pertencem a quem anda e nada. “Valeu a pena. Ícaro”.
Não sabe quem foi Ícaro, mas percebe que alguém passou por aqui a sonhar descontroladamente.
Faz-se luz na vastidão das águas, emerge um halo que ilumina, sinaliza, orienta e atrai.
O homem que só queria ver em redor inventou o farol.

Você
está aqui

Tudo o que rege
a vida de uma sociedade é conceito.
Há conceitos de organização social absolutamente antagónicos, embora tenham sido chamados à existência para enquadrar realidades semelhantes.“Centro” e “periferia” também são conceitos. Por razões mais ou menos complexas, uma comunidade atribui primazia a um lugar. Talvez seja a estranha pulsão de uma espécie que se orienta para um centro que norteia. Confuso? Como a Humanidade. Colombo alcançou a síntese, um navegador que quis do ocidente o oriente. Estaria errado? Não, só depende do ponto de vista. Num planeta em forma de globo, é possível chegar ao norte pelo sul, voltar para trás indo em frente.

Deus, o Homem, a Terra.
Tudo ao centro, tudo sobreposto, tudo empilhado na disputa de um lugar ao sol. À sombra, ri-se Copérnico, ri-se Galileu, ri-se Fernão Magalhães, homens centrais para quem os arredores não foram só paisagem. Até se riem os muitos deuses que viviam sempre na periferia, tantas vezes nas ilhas. As ilhas só foram centrais na arte, essa parte da vida real habituada aos arredores. O Funchal também padece dessa síndrome centrípeta. Invente-se um novo conceito: centros itinerantes que digam a quem chega “você está aqui”.